10.29.2005

A sem H


Respondes antecipando a minha voz. Encurtas o compasso do tempo, dando a impressão de que o tempo é uma fracção de vida expandida. São as horas que o teu compasso temporal determina. Nos teus desejos cumpre-se a tradição de não me descreveres. Estás a ver-me agora aqui, quietinha…talvez me vejas a voar mas estou apenas a consolar-me com o teu olhar. Pareces estática. Elevei-te a um patamar acima do meu olhar. A atmosfera que vem de norte passa. Como me vês? Quero saber porque é que pareces estático a observar-me. Quero saber porque é que insistes em dialogar-me os movimentos. Ai que bom que é desfrutar a mulher que trago nas pontas do amor. Quem será aquele rapaz a observar a castanha tombada? Parece olhar para ela como se fosse de carne. Estranho. Não me aproximarei. Parece dançar com o vento. Lembro-me bem como eu via a vida quando era jovem. Era semelhante. Desenvolto, príncipe hedonista…Eu podia ter pensamentos sobre a minha juventude agora que te aprecio sem demoras. És de uma inexactidão precisa, trazes electricidade na forma como antecipas o sopro do vento. Vagueias nas minhas mãos invisíveis, toco em ti quando fecho os olhos. Rodopias. Vejo-te rodopiar como se o teu par de dança fosse o que do teu corpo não faz parte. Sinto-te ao longo de uma música surda, sublime, leve, uma pena que encerrou a consciência de ser e simplesmente é. Fecho os olhos. Observas-me enquanto adormeço. Tive um dia fatigante, sabes? A vida dança comigo. Esta electricidade que se apodera de mim arrepia-me. Notas que eu tremo cada vez que dou uma volta completa? Eu sei que me sentes. Não consigo passar duas vezes pela minha rota anterior. Sou uma breve linhagem humana que nasceu da terra e nunca a ela voltou. Sou um tapete de chamas. Vejo-te como se fosses um tapete de chamas. Tens umas linhas imprecisas. O vento ao teu lado inflama-se. Vejo o rasto leve dos teus passos. Eu lembro-me que na minha infância também conseguia estar horas e horas a ver a natureza. Reparava nos pequenos pormenores, na rosa envergonhada à minha passagem, o lírio esquecido pelo amante, a estrelícia que me iluminava as noites, o cacto que me massajava toda a minha rudeza…Sinto que nada mudou. Aquele rapaz parece dançar com ela, com a natureza. Não sei em que é que ele está a viver mas aparenta estar à espera de algo. Eu? Como gostava eu de me lembrar de todas os movimentos que tu pintaste nas telas que eu guardo debaixo da minha pele. Observo-te com atenção agora. Estás desatento, vejo-te com os meus olhos fechados. Pareces absorto numa auto anuência. Não te preocupes. Eu sou o desejo, tenho raízes tenras, carne rija, face de um futuro que nunca virá, traços de um desenho que te pertence. Não te chateies por não me poderes ter. Não, não me estás a matar. Observo-a mais uma vez. Sinto uma angústia. A tua silhueta denuncia-te. Estás mais lenta. Move-te mais agora que me esqueci. Consegues fazer melhor! Dança, dança mais! Pareces abrandar nos passos…parece que a terra te suga e que o futuro chegou. Magoei-te? Quis-te demasiadamente minha? O rapaz petrificou-se em cima daquele monte. Parece saltar. Parece saltar para uma nova dança. Está estático. Lembro-me bem quando me sentava nos montes da minha infância. A mescla de trovões, chuva e sonhos de Inverno zumbiam como o mar revolto. Repara, estás a magoar-me. Queres-me demais rapaz? Julgaste o rei natural? Ela está mais lenta, parece denunciar-me. Será que pensa que estou a agir como o rei da natureza? Concerteza que não! Quem pensará ela que é? Os teus luminosos olhos escrevem nas minhas mãos uma certa vergonha. Estás descontente comigo? Espero que não penses que estou a conquistar-te como se de uma invasão imperiosa do meu reino se tratasse…Pois, eu sou apenas um servo. Um servo, ouviste? Nem mais nem menos. E tu, és a minha rainha! Rapaz, perturbaste com a libelinha que te fotografa o tacto. Vagueias pelo trilho do passado. Quererás ajuda nesse pensamento? Continuarás a viver. Não sejas rei porque eu não serei a rainha que os corvos de Inverno te apresentarão. Sou uma simples nada que descobriste enquanto te abrias sem ressalvas. Pareces triste. Queres-me dizer alguma coisa doce rapaz? Sim, o pensamento íngreme diz-me que quanto mais te desejo, a tua vida diminui e o que eras então, luz de verão, degrada-se decompondo-se em luz escura, das noites angustiosas em que eu, olhando-me imaginava-te. Percebes-me? Quero-te de mais. Não te percebo. Eu não desejo. Não consigo desejar. A tua dança, rapaz, não dança comigo. Não me esperes. Não posso dançar contigo. Não sou de ninguém. Imaginava-te eu, doce nada e tudo, como carne, da cabeça aos pés. Entendo-te agora. És livre do desejo, não pertences a nada, porque és tudo?! Arre rapaz! Que tens? Convulsões fortes! Tens a vida a nascer nos teus movimentos? Sentes-te bem? Acalmas-te gradualmente, silenciosamente. Já te disse que me fazes lembrar a minha infância? Sim, é verdade. Para que servirei eu senão te posso tocar, amar? Serei eu o instinto das estações? Dos animais? Serei eu a gota de água que nunca encontrará o rio? Não te preocupes rapaz. Não te desejarei. Nunca! Aliás, como te disse, não sei desejar. Não me absolvas, absolve-te. Não me perdoes, perdoa-te. Não me esqueças, vive-me. Não me desejes, cuida de mim. Assim o farei dança da vida, não sem antes te pedir o rasto do teu perfume. Não o encontrarás em mim, aviso-te meu caro. O meu odor…sente o cheiro das tuas mãos e não respondas. Quem será aquele rapaz? Cheira as mãos, os braços, as cascas do pinheiro, as silhuetas justas e finas das folhas, inala o perfume do ar. Como que um átomo. Já te disse que me fazes lembrar a minha infância? Provavelmente já. Breve rapaz, que fazes aqui nesta noite fria? O meu tronco muda de cor. Viro rapidamente a minha face. Foge! Foge! Termina a tua dança! Estão a observar-nos! Não te preocupes rapaz. Ele não nos vê. Cegou há 20 anos. Permanece ali, dia após dia, a comemorar-me. Como é possível? Sabias que ele estava ali e não me disseste nada? Traíste-me! Acalma-te. Ele apenas sonha. É um velho esquecido. Mesmo assim, deverias me ter alertado. Deveria eu? Com certeza que não. Deixo para ti a revolta, e para mim, apenas a noção de que continuarás a desejar-me, como se eu te desejasse. Lembro-me, era jovem. Caminhava pelos jardins do eterno quando, cansado, parei e sentei-me na relva. Relva mágica, útero de sonhos. Adormeci sem vontade de acordar. Sonhei com a vida. Era eu um jovem rapaz, a vida uma eterna mulher que não era bem uma mulher, apenas um desejo meu. No meu sonho tive a oportunidade de me ver velho. Parecia um velho esquecido. Tinha cegado há 20 anos. Nesse instante vi o futuro. Lembro-me da revolta! Como me lembro bem! Não me era possível desejar menos e amar mais! Como eu me lembro dos passos que dei abraçado a ela…Queridos netos, estou cansado. Não me sinto bem e no entanto nunca me senti melhor.

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