3.22.2006

Xiuuuuu.....eu? Danças comigo?


Tenho um dilema. Sim, ainda para vós. Quanto mais narrativa, mais me descubro e mais receio tenho em descobrir a imensidão do desconhecido. Quanto mais me leio, mais receio tenho de te descobrir e que isso me faça redescobrir-me, pelas tuas mãos áridas de afectos.
Obrigo-me a escrever-te. A tua voz é uma crosta no tempo, parado, de um pensamento alojado no quadro para o qual o caixilho é vento. Sim, és uma voz que magoa, não por ser má mas por não poder ser boa. A finitude que te cerca é rígida. Ecoas dentro de mim, seja isso perto de ti, longe de mim, no meu discurso. Obrigo-me a ler-te e a ouvir-te. Eu, o próprio (quem, eu?), sou uma audiência dos teus argumentos. Somos breves e multiplicáveis. Tu, eu, uma audiência que me desfaz e que me ressoa e uma vaga de imaginação que, pelas mãos, me traz a salubridade do contínuo. Não a meta, não o rótulo, não a chegada, não o teu olhar. Pois bem, agora estou cansado. A tua estória chegou a um dos fins desta metanarrativa do desgosto. Será que há espaço para uma voz que seja tua mas que seja diferente de ti? Pressuponho a rareza de um belo espaço posicional. Neste momento vocês são observadores dialogantes que retocam a criação. Se fugazmente penso em ti como alguém inextricável do cordão umbilical da terra, então esse não sou eu. A isso tenho direito. De me recusar ser quem tu pensas que eu sou. És vasto e de uma imensidão despida. Um ramo esquecido e uma flor decrépita. Nada mais, nada menos. Volto a vós, senhores. Julgais-me incomodado pelos meus sentimentos? Deverias estar? A sensação de continuidade da descontinuidade só a consigo com um projecto. Raramente te incluo, perfuras a harmonia. Todavia nunca tive tanto de ti. Quanto mais de repulso mais palavras ganhas. Se te amasse talvez me divertisse a contá-las. Mas…és de gelo. Não és bem de gelo. Eu é que não me consigo aquecer. Por isso, escrevo sem interrupções como se esperasse que o pó que embeleza se mantenha. Não sei onde te localizar mas presumo que o mapa que representava não é a representação que de ti emerge agora. Localizo-te numa voz muda, rígida e, inefávelmente, sozinha. És como prisioneiro da minha voz. Suprimo-te, calcando a tua voz, antecipando os teus discursos e, quando me surpreendes pela positiva, abro mão do mar que contenho e afogo a compaixão. Como ousais fazer isso, senhor? Ele nem vos fala! Cala-te tu de mim ausente de mim! Valorizo-te, por isso mando-te calar. Exibes uma voz sonolento, previsível, sem morte. Não tocam sirenes e o prateado da lua é um exército de salvação. Prossigo pelo quadro por onde comecei. Quadro, pensamento revitalizado cada vez que imaginação embirra com os passos indeléveis da criação. Não uma subjectividade. Uma intersubjectividade, não é? Talvez fale para ti num diálogo autoritário, com os pregos que te desenham no vento. A tua presença é anunciada. O melro traz-te no bico, pois lá fora a vida também corre, sem pressas, ao seu ritmo, ao meu ritmo. Sinto uma curiosidade frustrante por aquilo que sentes. Imagino que não sentes aquilo que verdadeiramente sentes. Mas não te dou voz. Se lha darei? Dialogais connosco como se precisasses de um motivo. Mostrem-me a vossa identidade. Fez-se silêncio. Como vês, como é que te podes ver a ver o que vês? Apenas me vês, intermitentemente contigo. Tu em mim, quem sois? Uma pedra no charco, um lírio? Mudei. Respondo-te, obviamente. Não és apenas a dança que joga comigo, és a dança que eu conduzo, ao meu ritmo, ao teu ritmo, sem paragens, apenas com descansos. Não és tu, rocha roída pelo mar que me habitas. Aliás, ninguém me habita. São habitantes de “mim” uma cultura de seres, humanos, não humanos. Tu és, portanto, um ser adoptado, escolhido para uma acordo tácito. A certeza que não sentes isto é inarrável. A enculturação é o que me faz ouvir-te. Rejeitar a tua voz é aceitar a tua presença. Não te agradeço, não te censuro, apenas falo contigo e ouço-te. Porque é que eles não te ouvem? Porque a tua voz fala através da minha sem que com isso precises de um certificado de autoria. Se, objectivamente não falas, é porque ainda não aprendi o teu dialecto. Ah, para me ouvirem falar, eles têm que se calar bem e tu tens que aprender a compreender? Sim, afinal, ainda falas numa cultura imigrante. Exotopicamente, sou emigrante nos teus pensamentos, imigrante na minha enculturação, na minha tentativa de te aceitar como voz semi-independente da minha, em que a linguagem é luz e as palavras, música.

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